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Histórias
O dia da Inspeção
Antigamente, a ida à inspeção militar caracterizava-se por ser um dia de grande festividade para os moçoilos do concelho. Esta história, contada pelo tio Américo Correia, aconteceu na primeira metade do século XX. Ora, na época, era usual que os jovens se concentrassem em cada terra e se dirigissem a pé para a sede do concelho. Juntos entoavam cantigas e eram acompanhados pelos sons das concertinas. Por todas as terras por onde passassem, havia sempre uma paragem na taberna e uns vivas, bem regados com o bom vinho da região, eram proferidos a saudar as respetivas freguesias. Certo ano, os rapazes das terras de Forninhos, Dornelas e Cortiçada já se encontravam a celebrar na taberna de Coruche quando um deles, certamente com o vinho a falar, começou a gritar: - Viva Forninhos! - Viva! - respondiam os outros. - Viva Dornelas! - Viva! - Viva Cortiçada! - Viva! - Morra Coruche! Nesse momento, a taberna ficou silenciosa e, passados alguns minutos, ouviu-se o sino tocar. Um dos rapazes, mal as palavras macabras foram proferidas, desatou a correr até à igreja para ajuntar o povo. E este respondeu com prontidão. Num ápice, começou uma violenta batalha entre a povoação que se sentiu insultada e os jovens das freguesias vizinhas que acabaram por fugir, não sem antes levarem uns valentes açoites. Durante anos, a mocidade das referidas freguesias alterou o seu percurso, seguindo por Valverde. Mas a camaradagem acabou por levar a melhor e a tradição voltou ao que era, com os moçoilos a passarem novamente por Coruche, primeiro timidamente e em silêncio, depois já em festa com os realejos e as concertinas a marcarem o ritmo.
Lenda dos Mortos-Vivos de Valverde
A história que a seguir se conta aconteceu no seguimento da célebre "Batalha de Coruche", como a designaram os Liberais, ou "Batalha de Aguiar da Beira", como ficou conhecida para os Miguelistas, que ocorreu no dia 9 de janeiro do ano de 1827, e cuja vitória coube às forças liberais. Em consequência desta violenta batalha, ainda se seguiram as escaramuças de Valverde e Barracão, que culminaram com a fuga do Marquês de Chaves, chefe miguelista, para terras espanholas. Como manda a tradição, após as batalhas, era necessário enterrar os mortos. Mas aí começaram a surgir alguns problemas, os combates tinham ocorrido tanto em terras de Valverde como de Coruche, pelo que não se sabia muito bem onde abrir as sepulturas. Não havendo consenso, decidiram abri-las no campo de batalha, para que os corpos dos soldados mortos em combate pudessem finalmente descansar em paz. A azáfama era muita e, no meio da confusão e do cansaço, muitos feridos acabaram também por ser enterrados. Diz o povo de Valverde que, durante muito tempo, as pessoas evitavam estes campos, pois, sempre que passavam por lá, ouviam-se os seguintes lamentos dos soldados: "Perdoamos a quem nos matou, mas não a quem nos enterrou”.
Lenda do Senhor do Castelinho
Uma mulher de Aldeia Rica, do concelho de Celorico, era atormentada, durante noites a fio, por sonhos bem estranhos: algures lhe aparecia, envolta em penhascos, musgos e silvados, a imagem do Senhor crucificado. Acordava a meio da noite, alagada em água, como se estivesse num pesadelo, Levantava-se da cama sem acordar o marido, rezava um Padre-Nosso e uma Ave-Maria e voltava para dentro dos lençóis. Mas o sonho começou a ser tão frequente que a mulher, de nome Ana Antunes, acabou por contá-lo ao marido. Afligindo-se com as preocupações da mulher, o homem perguntou-lhe: - Que diabo tens tu, mulher? - A imagem de Nosso Senhor está coberta de silvas e musgos, perdida numa brecha, homem! O marido encolheu os ombros, pondo de lado as preocupações que avassalavam a mulher. Certo dia, apesar de toda a incredulidade do homem, acabaram por sair. Partiram sem rumo certo em busca da figura, ela em cima do jerico e ele a pé. O homem, já farto de caminhar e cheio de interrogações, questionou a mulher sobre o seu destino. - Deixa-se a burra ir no seu caminho. Palpita-me que ela vai ter direitinha - retorquiu a mulher. Andaram várias léguas já sem se falarem, quando o animal parou no lugar de Ancinho, junto de umas grandes fragas. Como estava calor, tanto o homem como o animal vinham cheios de sede e estavam estafados. Entraram na fenda de uma rocha para se porem à sombra e descansarem, A mulher logo deu de caras com a imagem gravada na rocha de Cristo crucificado, envolto em musgos e em silvas. - Então, meu incrédulo, eu não te dizia! O homem não teve coragem de responder, ajoelhou-se e ali mesmo e rezou. O povo, com grande alegria e devoção, tratou logo de lhe dar uma forma mais humana e deu-lhe o nome de Senhor do Castelinho, por se encontrar no cimo de uns penhascos, onde havia um castelo de alvenaria.
A lenda do São Torcato da Sapateira
No início do século XX, quando a quinta da Sapateira ainda era bem povoada, mas na capela já não se praticava o culto e esta já mostrava sinais de abandono, certa mulher, de nome Dialina, passando em frente e vendo a porta escancarada, pensou que o local se encontrava de feição para recolher os seus animais. Se bem o pensou, melhor o fez e, nesse mesmo dia, dirigiu-se ao senhorio das terras e pediu-lhe a tão desejada autorização. O senhor, não vendo qualquer impedimento, respondeu-lhe: -Por mim faz o que quiseres, mas antes não te esqueças de retirar o São Torcato. A mulher, satisfeita, acatou estas palavras e regressou à capela, de onde retirou o Santo. Como ela era muito poupada, a necessidade ensina-nos a sê-lo, olhou para o Santo e achou que a sua madeira podia ser aproveitada para nessa noite aquecer a lareira. Pegou no machado e rachou-o em cavacas, que logo tratou de pôr a arder. Como já eram horas de ceia, decidiu fazer umas papas de ralão para acomodar o seu estômago. Mas, enquanto cozia as papas, estas foram ganhando uma cor azulada e um cheiro horrível. A mulher, furiosa com o desperdício, foi deitar as papas aos porcos. De manhã, quando acordou, estranhou o silêncio que reinava. Levantou- se e foi ver os animais. Qual não é o seu espanto quando se depara com os porcos todos mortos! O povo, mal tomou conhecimento da ocorrência, tratou logo de dizer que era castigo por ela ter queimado o Santo. A verdade é que, fosse por doença ou intoxicação, fosse por interferência do São Torcato, a capela nunca fui ocupada.
Lenda do Penedo da Moura da Lezíria
Como aconteceu em várias terras do concelho, as mouras nunca deixaram de povoar o nosso imaginário. Por isso, não é de admirar que junto aos vestígios do antigo castelo da Lezíria haja uma fraga a que o povo chama de "Penedo da Moura". Consta-se que neste local vivia uma jovem e bela moura encantada, deixada para trás pelo mouro Al-Mançur, que passava os seus dias a tecer no seu tear de marfim maravilhosas meadas de ouro. Certo dia, passando perto da fraga, um camponês avistou um belo campo de trigo. Na verdade, tratava-se dos fios de ouro tecidos pela bela moura, que também conhecia a arte de camuflagem e que desta forma evitava que o seu tesouro fosse surripiado. Só que, desta vez, como o homem achou o trigo tão belo, não resistiu à tentação e embolsou duas mãos cheias. De regresso ao povo, parou na taberna e, após uns bons copos bebidos, mostrou o seu achado. Os homens presentes ficaram de olhos arregalados! Em cima da mesa encontravam-se puríssimas pepitas de ouro! Atónito, o camponês deitou-se a correr em direção ao Penedo da Moura, mas nada mais viu. No lugar da seara encontrava-se um morro calvo. Apenas uma voz que chegava aos ouvidos, a voz da bela donzela que não se cansava de repetir: - Tivesses aproveitado, meu campónio! Dizem que durante muito tempo o homem se fartou de praguejar e de maldizer a sua sorte por ter sido tão "cego".
A lenda do Pão Abadense
O lugar de Ponte do Abade é desde há muito conhecido por ter um pão excecional. A tradição remonta à época em que vivia na pacata aldeia uma mulher chamada Amália que adorava fazer experiências. O facto de gostar de inventar era por si só um fenómeno notável, mas as suas habilidades para a inovação deixavam muito a desejar, por isso ela era conhecida como "a cientista desastrada". Talvez fosse pela idade, talvez pelo génio, a verdade é que ela era muito desastrada e esquecia-se constantemente das coisas, pois sempre que se propunha a fazer uma experiência nunca sabia como a fazia, alterando constantemente as fórmulas. Num certo dia de valente tempestade, aconchegou-se junto à lareira de sua casa e pôs-se a comer um pãozinho que tinha comprado na padaria da aldeia. Enquanto mastigava, achou-o sem sabor. O seu engenho começou logo a matutar. -Já sei! - exclamou ela. – Vou falar com os padeiros! Este pão tem de mudar de sabor!!! A mulher não teve sorte e foi corrida a sete pés. No entanto, mantendo a sua tenacidade, voltou nessa mesma noite. Após bastante insistência, os padeiros acabaram por lhe deixar fazer a tão desejada experiência. A partir daí o pão começou a ser ótimo e a padaria aumentou os fregueses. Os padeiros quiseram agradecer-lhe e perguntar-lhe qual era a fórmula mágica, mas encontraram a pobre Amália morta no chão da sua casa. Para os padeiros foi um dia terrível! A senhora tinha morrido com o seu segredo. Mas algum milagre deve ter acontecido, pois desde essa data o pão da Ponte de Abade não deixou em mãos alheia a sua boa fama, continuando tão delicioso como na noite de invenção da Amália "cientista"!
Lenda do Convento de Sisimiro
Pelo ano de 982, existia no lugar da Quinta das Lameiras um convento de freiras beneditinas, conhecido como o Convento de Sisimiro. Nesta data, o célebre e temível general mouro Al-Mançur e as suas hostes atravessaram o Douro para a margem esquerda. Pela sua passagem o rasto de sangue era enorme. Destruído Lamego, progrediram para Trancoso. Pelo caminho arrasaram o Convento de Areas, onde martirizaram muitas das religiosas. Atravessada a serra de Pêra, chegaram ao convento de Sisimiro. Uma grande parte das freiras sofreram o martírio, outras conseguiram escapar levando consigo urra imagem de Nossa Senhora. Na sua fuga procuraram abrigo nos matos por onde se embrenharam. Acabaram por achar uma gruta ou lapa, unde guardaram a dita imagem que ali resistiu à agrura dos séculos, durante uns 515 anos. É esta imagem que dará origem à lenda da Senhora da Lapa.